Sexta-feira, 22/08/2025 | | | | | Governo Lula coloca 'GPS brasileiro' no radar para 2026 | |  | Helton Simões Gomes |
| A possibilidade, ainda que remota, de os Estados Unidos reavaliarem o uso do GPS pelo Brasil como parte das retaliações comerciais do governo Trump fez muita gente se dar conta do grau de dependência tecnológica em que nos encontramos. O país discute há anos um sistema próprio de satélites, mas, dessa vez, membros da administração federal se juntaram e estão desenhando um jeito para tirar o sonho do papel. A expectativa do governo Lula é entregar no começo de 2026 o plano do PNT (Sistema Brasileiro de Posicionamento, Navegação e Tempo), nome no RG do que se convencionou chamar de "GPS brasileiro". Em conversa com a coluna, Osório Coelho Guimarães Neto, diretor do Departamento de Programas de Inovação do MCTI, detalha: - As inspirações do projeto (esqueça os EUA, o alvo são as iniciativas de Índia, Coreia do Sul e Japão);
- Sua motivação (nada de Trump; a conversa é sobre soberania e já tem, ao menos, dois anos);
- As possíveis fontes de financiamento (do BNDES ao PAC) e;
- As inescapáveis implicações da empreitada com o atual cenário geopolítico.
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| Publicidade |  | |  | Dizem assim: 'ah, o Trump vai desligar o GPS!' Não vai, né? Mas a gente não pode ficar dependente de humores (?) Quando desenvolve essa solução própria, a gente não só fortalece a segurança nacional, como também aumenta a nossa autonomia tecnológica e estratégica. | | Osório Coelho Guimarães Neto | diretor de programas de inovação no MCTI |
| O que rolou?Ainda que coordene as ações, o ministério trabalha junto com quase duas dezenas de entidades públicas, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) à AEB (Agência Espacial Brasileira), passando por Telebras, Anatel e Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O grupo, formado em julho, trabalha em quatro linhas paralelas: - Em uma frente, cria a estratégia que será adotada para o desenvolvimento tecnológico do PNT. Em outra?
- ? Identifica as dependências tecnológicas e as vulnerabilidades do Brasil em relação aos sistemas de posicionamento, navegação e tempo já existentes. Acontece que?
- ? Se o mais famoso deles é o GPS, mantido pelo Departamento de Defesa dos EUA, Glonass (Rússia), Galileo (União Europeia) e o Beidou (China) também são sistemas globais igualmente poderosos. Em paralelo?
- ? Em uma terceira linha de atuação, o grupo levanta as rotas tecnológicas existentes e quais são as mais adequadas para o Brasil. Isso porque?
- ? É possível adotar satélites geoestacionários (aqueles que ficam posicionados sobre a linha do Equador), satélites de baixa órbita (ficam a altitudes mais próximas da Terra) ou com satélite nenhum, como vêm estudando os chineses. Além disso?
- ? A missão dessa parcela do grupo também é levantar as fortalezas do Brasil para dar conta de tirar o PNT do papel, ou seja, qual é a capacidade industrial, de recursos humanos e de pesquisa do país. Por fim?
- ? O último front avalia quanto dinheiro custaria cada cenário de aplicação e quais são os modelos de financiamento, que podem incluir recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), BNDES e até vindos de cooperação internacional. De cara?
- ? Pinta como favorita, ainda que o martelo não tenha sido batido, a ideia de o PNT não ser global, mas, sim, um sistema local, como o QZSS (Japão), KPS (Coreia do Sul) ou o IRNSS (Índia). Com isso?
- ? Cairia a obrigação de lançar muitos satélites --GPS tem 31, Galileo opera 28, Beidou possui 35 e Glonass detém 24 --, já que os japoneses se viram com quatro e os indianos vão bem com sete. E também os custos de implantação deixam de ser proibitivos, visto que o QZSS saiu por algo em torno de US$ 2 bilhões. Só que?
- ? Essa abordagem passa por uma maior exigência de interoperabilidade com os sistemas globais, algo que o Brasil já considera. Ainda mais porque a pretensão é fazer do PNT uma opção não só viável para o território brasileiro, mas para toda a América do Sul. Como?
- O grupo tem 180 dias para dar conta do recado, o plano deve chegar às mãos da ministra Luciana Santos entre janeiro e fevereiro de 2026. Só então será submetido ao presidente Lula.
Por que é importante? Crucial da navegação de veículos em terra e no ar ao funcionamento do seu smartphone, o GPS é o tipo de serviço que virou sinônimo de uma categoria inteira. O que fazem sistemas como esse é atribuir uma localização a um dispositivo por meio da triangulação de envio e recepção de sinais. "A gente considera o GPS como uma infraestrutura crítica, do mesmo jeito que são portos, aeroportos, escolas, hospitais e estradas." Osório Coelho Guimarães Neto, do MCTI Para o diretor do MCTI, ter um "GPS brasileiro" impactaria o país em, ao menos, três diferentes frentes, como: - Social: o PNT atenderia com tecnologia nacional serviços essenciais, como o transporte público, o monitoramento ambiental e de fronteiras. Também garantiria ao Brasil acesso sem intermediários a dados grandes riquezas, como os recursos hídricos e minerais
- Econômico: daria uma alternativa nacional a diversos setores que dependem de tecnologia de georreferenciamento, do agronegócio à mineração, passando por telecomunicações e pelos setores bancário e de energia.
Aqui, abro um parênteses: segundo fontes da indústria satelital, o PNT permitiria ao Brasil obter recursos financeiros ao embarcar em dispositivos eletrônicos chips que acessassem o sistema de navegação nacional, nos moldes do que ocorre com o uso comercial do GPS. - Geopolítico: o desenvolvimento de uma solução de posicionamento, navegação e tempo própria aumenta a autonomia tecnológica e estratégica do Brasil. Ainda que a chance de o GPS ser desligado pelos EUA seja para lá de remoto, uma alternativa nacional afasta riscos do arrefecimento do cenário geopolítico internacional, cada vez mais hostil.
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|  | A soberania tecnológica está completamente vinculada à soberania nacional. | | Osório Coelho Guimarães Neto | do MCTI |
| Não é bem assim, mas tá quase láAinda que os planos estejam sendo elaborados agora, um ponto é certo: caso decole, o "GPS brasileiro" vai precisar de recurso orçamentário para ser mantido no ar. Não é barato manter os sistemas necessários para satélites em órbita se comunicarem com estações terrestres. E a necessidade de recurso, acredite, é algo que os militares norte-americanos negociam todos os anos com a Casa Branca. Segundo Osório, o Brasil dispõe de dinheiro para construir os satélites, já que estão na mesa linhas dos BNDES, de cooperação internacional e de fundos setoriais, como o FNDCT, que, desde 2023, conta com disponibilidade acima dos R$ 10 bilhões. Parcerias com outros países não estão descartadas. Brasil e China fecharam recentemente um acordo para desenvolver o CBERS-5, primeiro satélite geoestacionário do país, que entrar no seleto grupo de uma dezena de nações. A criação do grupo focado no PNT ocorreu uma semana antes de circular a notícia do possível desligamento do GPS por parte dos EUA. A empreitada nasceu após um estudo sobre cenários de exploração satelital do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), apresentado em 2023 à ministra Luciana Santos. Ainda assim, o timing gera comentários. Mas Osório ri da coincidência. "Por que fazer isso agora? Desculpa a expressão, mas antes tarde do que nunca, né? Toda a nossa dependência em relação aos sistemas estrangeiros, ainda mais diante do contexto econômico, geopolítico e social, torna essa iniciativa bem urgente", comenta. |
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