Além de sua beleza exuberante, a maior floresta tropical do planeta é um dos pilares do sistema climático global. A Amazônia abriga a maior biodiversidade terrestre do planeta. Ela exerce grande influência nos padrões regionais de chuvas, sendo essencial para a produção agrícola no Brasil e em grande parte da América do Sul. Hoje, esse ecossistema de importância global está sofrendo enorme pressão e está ameaçado pela crise climática, pelo agronegócio e pelo crime organizado. Venho alertando a mais de 30 anos que o desmatamento da Amazônia pode levar a um ponto de não retorno, um limiar onde a floresta tropical passará por uma transformação irreversível para um bioma de savana altamente degradada, com cobertura vegetal escassa e baixa biodiversidade. Uma floresta tropical como a Amazônia geralmente tem cerca de 30% mais chuvas anuais do que as savanas tropicais na Colômbia, Venezuela, Bolívia e Brasil. E também uma estação chuvosa cerca três meses mais longa. O fato importante é que uma floresta tropical tem um dossel fechado, onde apenas 4% da radiação solar atinge o solo da floresta. Isso significa que sempre há muito pouca energia disponível para a evaporação da água e, assim, a vegetação e o solo da floresta ficam muito úmidos, diminuindo muito os incêndios causados por raios. Esta é uma das razões pelas quais há uma enorme biodiversidade na região. Ou seja, a floresta amazônica é resiliente ao fogo, mas quando começa a secar e se degradar, fica mais fácil de queimar. A savana degradada seria menos úmida e mais vulnerável aos incêndios. Até 70% da floresta amazônica pode ser perdida se o ponto de não retorno for atingido. A situação hoje é muito grave: 18% de toda Amazônia já foi desmatada, e cerca de 34% encontram-se em vários estados de degradação por ação humana e pelo crescimento das secas extremas. Globalmente ultrapassamos 1,5°C de aquecimento acima dos níveis pré-industriais (1850-1900) em 2024 e estamos a caminho de atingir 2,0-2,5°C até 2050. Estimamos que o ponto de não retorno poderá ser alcançado se o desmatamento atingir 20-25% e o aquecimento global atingir 2,0-2,5°C acima dos níveis pré-industriais. Essa mudança, que está muito próxima, teria consequências terríveis para a população local, para os padrões climáticos regionais e para o clima global. O ponto de não retorno da floresta amazônica afetaria centenas de milhares de espécies e aumentaria os riscos de doenças zoonóticas. Pela primeira vez desde que os europeus chegaram às Américas, estamos enfrentando duas epidemias: a febre Oropouche e a febre Mayaro. No futuro, a degradação da floresta amazônica levará a mais epidemias e até mesmo as pandemias. A floresta no sudeste da Amazônia já se tornou uma fonte de carbono. Isso se deve a situação de alto aumento da temperatura e da redução de chuvas durante a mais longa estação seca, e também porque a mortalidade de árvores está aumentando drasticamente. Se a Amazônia atingir o ponto de não retorno, nossos cálculos mostram que perderemos de 50% a 70% da floresta. Isso liberaria entre 200 e 250 bilhões de toneladas de dióxido de carbono entre 2050 e 2100, tornando completamente impossível limitar o aquecimento global a 1,5°C. Em 2019, o ecologista americano Tom Lovejoy, que popularizou o termo "biodiversidade", e eu recomendamos soluções baseadas na natureza, como a restauração florestal em larga escala, zerar o desmatamento, a degradação e os incêndios, a eliminação de monoculturas e uma nova bioeconomia baseada na sociobiodiversidade. Argumentamos que é possível reconstruir uma margem de segurança por meio de um reflorestamento imediato e ambicioso, particularmente em áreas degradadas por fazendas de gado e terras agrícolas em grande parte abandonadas. Isso gerou novas ideias, motivou muitas pesquisas científicas. E os resultados desses vários estudos científicos me deixam ainda mais preocupado em relação ao ponto de não retorno da floresta amazônica e a mudança climática global. Tais estudos indicam que não estamos agindo com a urgência necessária para evitar atingirmos o ponto de não retorno. Trinta e cinco anos atrás, quando publiquei os primeiros artigos sobre o risco do ponto de não retorno, eu achava que tínhamos tempo de sobra para chegar ao desmatamento zero e combater as mudanças climáticas. Naquela época, o desmatamento de toda Amazônia era de 7% e o aquecimento global estava um pouco acima de 0,5°C. Eu estava otimista porque sentia que poderíamos encontrar soluções. Na Cúpula da Terra do Rio, em 1992, muitas pessoas diziam que o mundo deveria ter como meta zerar as emissões até o ano 2000. Infelizmente, ficamos no campo da inação. As emissões de gases de efeito estufa e a temperatura média global continuaram a aumentar e atingiram recordes no ano passado e início desse ano. Agora temos que enfrentar a emergência climática. Do lado de buscar impedir o ponto de não retorno, desejamos poder chegar à COP30 com o menor desmatamento anual da Amazônia brasileira de todos os tempos, menos de 4.000 km². O governo Lula e a Ministra Marina Silva estão trabalhando duro nisso, o que nos faz enxergar uma luz no fim do túnel. Porém, houve um grande aumento dos incêndios florestais que degradaram uma enorme área e mais de 95% dos incêndios foram de origem humana. A total maioria desses incêndios foram ilegais e muitos ligados ao crime organizado. Torna-se essencial combater esta destruição da Amazônia. |