O Brasil é o país mais biodiverso do planeta, mas ainda trata essa riqueza como um fardo, e não como uma força de desenvolvimento sustentável. Na economia brasileira, todos os produtos de nossa riquíssima biodiversidade representam menos de 0,5% do PIB. Em um artigo publicado na FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), em colaboração com o pesquisador Diego Oliveira Brandão, discutimos a necessidade de repensar os sistemas agroalimentares da Amazônia. Aqui, retomo e amplio aquela análise, propondo uma visão mais abrangente: a sociobioeconomia com todos os biomas protegidos e restaurados como um modelo de desenvolvimento para todo o país — capaz de combater as mudanças climáticas, reduzir desigualdades sociais e fomentar inovação. A sociobioeconomia é uma abordagem emergente e interdisciplinar que coloca o bem-estar das pessoas e a conservação da natureza no centro da economia, acima do lucro e do crescimento monetário. Inspirada em visões como o "Buen Vivir" dos Povos Indígenas andinos, a sociobioeconomia articula ciência, tecnologia e inovação com os conhecimentos tradicionais e as necessidades reais das populações locais. Um caminho contra a crise climáticaNo contexto da crise climática, a sociobioeconomia propõe eliminar o desmatamento, a degradação e o fogo, restaurar áreas desmatadas e degradadas com espécies nativas e usar a biodiversidade de forma inovadora e sustentável. Ao fazer isso, contribui para manter o carbono estocado na superfície terrestre, remover CO₂ da atmosfera e envolver comunidades no uso regenerativo da natureza. No entanto, o Brasil enfrenta obstáculos profundos para realizar o potencial da sociobioeconomia. A valorização da sociobioeconomia exige romper com o modelo de exportação de commodities de baixo valor agregado, combater o crime ambiental que avança sobre os biomas — como grilagem e queimadas — e investir em infraestrutura sustentável para processamento e beneficiamento dos produtos da biodiversidade. Há pelo menos cinco linhas de desenvolvimento capazes de transformar a biodiversidade brasileira em motor de uma economia sustentável, criativa e inclusiva: 1. Restauração dos biomas brasileirosA maioria dos biomas brasileiros, Amazônia, Cerrado, Pantanal e Caatinga, estão muito próximos de ponto de não retorno que os degradarão de forma irreversível. Torna-se urgente zerar todos os desmatamentos, degradação e fogo e implementar projetos de restauração desses biomas em grande escala. Destaca-se que o Brasil lançou durante a COP28 em Dubai, dezembro de 2023, o desafiador projeto Arco da Restauração, para restaurar 24 milhões de hectares de áreas desmatadas e degradadas da Amazônia brasileira, 6 milhões até 2030 e outros 18 milhões até 2050. 2. Bioindustrialização: matérias-primas e cadeias de valor Experiências como a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), no Pará, e o Projeto RECA, em Rondônia, mostram que é possível produzir polpas de frutas, óleos vegetais, palmito, chocolates e muito mais a partir de insumos regionais. Esses empreendimentos, além de gerar renda local, ajudam a recuperar a vegetação nativa. Com mais investimento, é possível desenvolver produtos de alto valor agregado, como suplementos proteicos à base de castanha-do-Brasil — ideais para dietas veganas, esportivas e restritivas. Nesse sentido, o projeto Amazônia 4.0 traz o potencial de capacitar comunidades locais para alta agregação de valor aos produtos da biodiversidade, no momento capacitando comunidades com um Laboratório Amazônico Criativo Cupuaçu-Cacau e iniciando em breve a construção de um laboratório para a castanha-do-Brasil. 3. Biotecnologia baseada na biodiversidade de solos saudáveis Os solos dos ecossistemas saudáveis do Brasil abrigam uma imensa diversidade microbiana. Esse potencial pode ser usado para criar bioinsumos, biofertilizantes e bioestimulantes, essenciais para uma agricultura regenerativa. Com apoio de centros de pesquisa e inovação, essas soluções podem fortalecer tanto sistemas agroflorestais quanto projetos de restauração ecológica. 4. Gastronomia da sociobiodiversidade Os Povos Indígenas e comunidades locais dos seis biomas brasileiros domesticaram e utilizam centenas de espécies nativas como o açaí (Amazônia), o pequi (Cerrado), o caju (Caatinga), a araucária (Mata Atlântica) e o mamoncillo (Pantanal). Esses alimentos, hoje ganham espaço nos mercados globais. Fortalecer esse potencial passa por criar cursos de ensino superior e médio voltados ao desenvolvimento agroalimentar de base nativa e garantir a repartição justa de benefícios para os detentores do conhecimento tradicional. 5. Biomimética: aprendendo com a natureza A observação dos processos naturais pode inspirar soluções tecnológicas em áreas como alimentos, embalagens, produtos químicos e até engenharia. A biodiversidade brasileira oferece milhares de modelos para desenvolver fermentações naturais, espessantes, solventes ecológicos, embalagens biodegradáveis e peças aerodinâmicas para drones. Centros de pesquisa voltados à biomimética, com especialistas locais, podem transformar o Brasil em referência global em inovação baseada na natureza. O futuro que queremos Nada disso será possível sem investimentos significativos em centros de ciência, tecnologia e inovação, especialmente nos territórios mais biodiversos e vulneráveis do país. Também são fundamentais políticas públicas que reconheçam o papel estratégico da sociobioeconomia para o futuro do Brasil. Ao deixar de ver a biodiversidade como um entrave ao desenvolvimento ou mera commodity barata, e começar a enxergá-la como fonte de soluções, o Brasil poderá liderar um novo paradigma de desenvolvimento regenerativo, criativo e justo. |