Na newsletter de hoje, trago notícias da minha imersão na semana passada no mundo do trumpismo, testo numa nova seção de notinhas pá-pum (me digam o que acharam!) e explico por que a Geórgia pode atrasar o resultado da eleição por semanas ou até meses.
Fernanda Perrin
Correspondente nos EUA, foi editora-adjunta de Mercado. É mestre em ciência política pela USP.
AMERICAN IDOL
O último lugar que eu esperava encontrar balinha de maconha era na fila para um comício de Donald Trump. A última demanda que eu esperava ouvir em um comício de Donald Trump era por moderação.
A imersão antropológica que fiz na semana passada na bolha trumpista rendeu.
Como a campanha do ex-presidente não aprova o credenciamento de jornalistas estrangeiros para cobrir seus eventos, me inscrevi para ir ao comício na última quarta-feira (18) como espectadora. Por isso, cheguei em Uniondale, uma cidade a uma hora de trem de Nova York, às 10h. Achei que estava pecando pelo excesso, mas, quando entrei na fila, às 11h, já havia mais de 3.000 pessoas na minha frente, segundo um policial. Trump só discursaria às 19h, para uma plateia de cerca de 16 mil pessoas.
O que todo esse povo faz enquanto espera? Bom, bebe e fuma –o que destaco não por moralismo, mas por ser incomum em público nos EUA. Puxa conversa com quem está do lado. Come churrasco (de salsicha 🙄). Dá entrevista para jornalista. Compra camiseta, bandeira, boné –mas nada “made in China”, claro, segundo o vendedor.
O candidato presidencial republicano fala em um comício noturno em Uniondale - Spencer Platt/Getty Images via AFP
PRESIDENTE x SHOWMAN
Isso não surpreende tanto. A relação que a ala mais aguerrida de sua base, o chamado Mundo Maga (sigla para o slogan “Make America Great Again”), mantém com ele é de fã. O que eles procuram em Trump é menos um presidente do que um showman.
Isso é um problema para o empresário. O que ele oferece para essa base é diferente, ou mesmo o oposto, do que um eleitor indeciso espera de um político. E mesmo dentro do Mundo Maga, há gente bem ciente disso.
O que achei mais interessante do comício foi ouvir gente preocupada com uma derrota –sem fraude– em novembro. Também ouvi gente dizendo que Trump foi mal, sim, no debate. Vi outros incomodados com a turma gritando “lute! lute! lute!” para as câmeras de TV, porque isso remeteria ao 6 de Janeiro na cabeça de quem está assistindo em casa. “Idiotas”, disse um homem perto de mim.
Nada disso parece ser uma questão para a turma do oba-oba, mais interessada no espetáculo do que na política. Quanto mais radical, desdenhoso e agressivo Trump foi no discurso, mais ele foi aplaudido.
Um ponto alto da noite, por exemplo, foi quando o empresário disse que o termo “aquecimento global” foi trocado por “mudança climática” porque o planeta está esfriando. Não está, e pesquisas mostram que a maioria dos americanos vê o problema como uma ameaça.
Assim, enquanto entretém uns, Trump repele outros, que só querem ter uma vida com mais dinheiro no bolso e menos caos nos próximos quatro anos.
‘TRUMP SENDO TRUMP’
A campanha e o próprio candidato estão cientes do dilema, mas é visivelmente difícil para o republicano se conter. O maior exemplo veio no dia seguinte ao comício, quando acompanhei Trump mais uma vez ao vivo discursar para uma plateia formada por judeus em um evento pró-Israel em Washington.
Tudo ia conforme o esperado quando, de repente, Trump enveredou por reclamar da falta de apoio entre o eleitorado judeu. A digressão culminou nisso:
"Honestamente, vocês precisam ter a cabeça examinada. Esses votos podem ser necessários para nós vencermos. (...) Vou colocar do jeito mais simples e gentil que eu posso: eu não fui tratado adequadamente pelos eleitores que acontece de serem judeus. Se eu não ganhar essa eleição, o povo judeu vai realmente ter muito a ver com isso"
Não é exatamente o tipo de coisa que um candidato deveria dizer, ponto. Menos ainda para uma audiência judaica. Para piorar, aconteceu pouco depois da notícia de que o postulante ao governo da pendular Carolina do Norte endossado por Trump se referiu a si mesmo no passado como “nazi negro”.
Um participante do evento com quem conversei na saída minimizou a declaração. “É só Trump sendo Trump”, me disse. É justamente a performance pretensamente rebelde que os fãs adoram, mas que muitos eleitores indecisos não aguentam.
Se o republicano não ganhar, o gozo da idolatria que o cerca vai realmente ter muito a ver com isso.
Fonte: Real Clear Polling, que agrega os resultados das principais pesquisas eleitorais dos EUA - 23.set.2024
CONTAGEM DE VOTOS À MÃO
Como eu tinha adiantado na semana passada para vocês (preciso levantar minha bola às vezes, né), aliados de Trump têm feito campanha para que estados contem votos à mão, sob a justificativa —infundada— de que o método é mais seguro do que a tabulação por máquinas de leitura óptica, como ocorre na maior parte do país.
Na última sexta (20), eles conseguiram aprovar a adoção da contagem à mão na Geórgia.
A determinação, feita a menos de sete semanas do pleito, deve atrasar a divulgação do resultado em um estado crucial para a eleição deste ano. Críticos afirmam que o método é mais propenso a erros, vulnerável a fraudes e custoso para o contribuinte. O temor é que a situação abra caminho para um cenário caótico.
Uma contagem de 2,1 milhões de votos feita à mão em um condado do Arizona na eleição de 2020 demorou mais de dois meses para ser concluída. A Geórgia tem cerca de 8 milhões de eleitores registrados.
DEBATE 1. Kamala Harris aceitou um convite da CNN para um novo debate dia 23 de outubro. A campanha de Trump disse que é “tarde demais”.
DEBATE 2. O debate entre os candidatos à vice J.D. Vance e Tim Walz segue firme para a próxima terça (1º).
CAIXA 1. A campanha democrata arrecadou mais e gastou mais do que a republicana em agosto. Entraram no caixa da primeira US$ 190 milhões e, no da segunda, US$ 45 milhões. Kamala gastou US$ 174 milhões e Trump, US$ 61 milhões.
E A ECONOMIA. Kamala deve divulgar mais propostas econômicas nesta semana, em um discurso na quarta-feira. Na quinta, ela e Joe Biden falam sobre violência por arma de fogo.
E A IMIGRAÇÃO. Trump disse que, se eleito, vai pedir que o Congresso proíba as chamadas cidades santuários –locais menos duros contra imigrantes que entraram nos EUA de modo ilegal.
AGORA OU NUNCA. Trump também disse que, se perder, não se vê disputando a Presidência novamente em 2028.