A conta é simples: se quisermos ter alguma chance de enfrentar a crise climática, precisamos evitar que a Amazônia entre em colapso. Segundo as análises científicas, 18% da Amazônia já foi desmatada e outros 34% estão em crescente degradação. Precisamos conservar 70-80% do bioma para mantê-lo saudável. Por isso, o ponto de não retorno da Amazônia precisa estar no centro da negociação da Convenção do Clima, mais ainda na COP30 da Amazônia. É preciso lembrar que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e sem a 'bomba d'agua' que representa a Amazônia, essa economia colapsa, gerando impactos para o futuro de nosso país e a segurança alimentar planetária. Atualmente a conservação da Amazônia recebe abaixo de US$ 600 milhões ao ano -- menos de um décimo dos US$ 7 bilhões anuais que precisam ser investidos, segundo cálculos do Banco Mundial. Para efeito de comparação, apenas no ano de 2024 o mundo destinou US$ 2,7 trilhões para armamentos. Em tempos de guerra, esses orçamentos precisam de mais atenção e escrutínio público. Afinal, queremos a destruição ou a perpetuação da humanidade?
A escassez de recursos para a conservação da Amazônia decorre, entre outros fatores, da subvalorização dos serviços ecossistêmicos vitais que a floresta oferece, como armazenamento de carbono, regulação hídrica, inclusive o transporte de vapor d'água ao sul da Amazônia -- os chamados "rios voadores", proteção da biodiversidade e polinização. Somente seu papel na regulação das chuvas sustenta anualmente muitas centenas de bilhões de dólares na produção agrícola sul-americana. Outro problema é o não reconhecimento do papel dos Povos Indígenas, Quilombolas e ribeirinhos para a proteção da floresta, que a sustentam saudável. Sua migração para as cidades, como vem acontecendo, ou sua subjugação ao crime organizado, são riscos para a saúde dessa bomba d'água amazônica. Direcionar recursos financeiros substanciais e imediatos para a preservação da Amazônia precisa ser reconhecido como uma estratégia climática global urgente para evitarmos as piores consequências das mudanças climáticas. Perder apenas mais 5% de sua cobertura vegetal e o aquecimento global chegando a 2ºC pode desencadear um ponto de não retorno que liberaria mais de 200 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera, acelerando a crise climática e inviabilizando o alcance das metas do Acordo de Paris. A floresta já sofre com secas extremas causadas pelo aquecimento global, que a deixam mais vulnerável a incêndios, à degradação e ao desmatamento, mesmo nas partes centrais mais intocadas. É esse risco e essa conta que devem estar contemplados no cerne da negociação do financiamento climático. A conservação da Amazônia precisa ser um dos grandes resultados da COP30, e a solução está ao alcance da presidência brasileira da COP30. A presidência brasileira da COP30 já recebeu sugestões para que o compromisso com a conservação da Amazônia possa ser uma das grandes vitórias da conferência. Incluindo planos que já estão caminhando, como o Tropical Forest Forever Facility (TFFF), projetado para mobilizar até US$ 125 bilhões para todas as florestas tropicais até 2030 e a Nova Meta Coletiva Quantificada sobre Financiamento Climático sob o Acordo de Paris, que pede US$ 1,3 trilhão em financiamento climático global anualmente de 2026 até 2035. Esses são dois exemplos de ações transformadoras necessárias que abrem oportunidades para direcionar recursos significativos para a Amazônia. Outras soluções incluem a promoção do pagamento por serviços ambientais para proteger o armazenamento de carbono, ciclo da água, os rios voadores e a biodiversidade na Amazônia, e o fortalecimento de salvaguardas e a implementação de uma abordagem baseada em direitos humanos, como segurança da posse da terra e inclusão de Povos Indígenas e comunidades locais. Isso é essencial para garantir que os fundos cheguem às comunidades da linha de frente, que são os verdadeiros guardiões da floresta. O desafio é garantir que a alocação de recursos seja específica e eficaz, combatendo fluxos financeiros que incentivam o desmatamento e fortalecendo mecanismos como o pagamento por serviços ambientais, o combate a economias ilegais transnacionais, e o apoio direto à sociobioeconomia de floresta em pé e rios fluindo dos Povos Indígenas e comunidades locais, que são os verdadeiros guardiões da floresta. Vale ressaltar que já há iniciativas bem-sucedidas nessa direção. É o caso, por exemplo, do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que engloba mais de 59 milhões de hectares de áreas protegidas no Brasil. A Moratória da Soja, por sua vez, provou que um instrumento de mercado pode reduzir o desmatamento na Amazônia. Em fase inicial, o compromisso do Pará em alcançar 100% de gado bovino rastreável até 2026 oferece um modelo replicável. Em outros países amazônicos também há iniciativas potentes que precisam ser fortalecidas e multiplicadas. Mas precisamos de mais. A COP30 em Belém oferece a plataforma ideal para o Brasil liderar a ação. Ao demonstrar um compromisso inequívoco com o financiamento e a implementação de soluções para a Amazônia, o país pode inspirar uma coalizão global de doadores e investidores, mobilizando países, setor privado e instituições financeiras. A primeira conferência climática a ser realizada neste bioma vital para o planeta pode ser a chance de transformar um risco global em uma vitória compartilhada pela humanidade, garantindo um futuro mais seguro e sustentável para todos. * Com Rachel Biderman, doutora em gestão pública e governo pela Fundação Getulio Vargas. Vice-presidente Sênior para as Américas da Conservação Internacional. |