Leitor, vamos enfrentar um pouquinho de numeralha –não desista ainda, prometo que fica melhor.
O primeiro dado que preciso destacar é a disparada da vantagem dos democratas entre eleitoras após a substituição de Joe Biden por Kamala Harris na corrida. A diferença para Donald Trump subiu de 2 para 13 pontos percentuais.
Enquanto isso, o republicano manteve estável sua dianteira de 7 pontos entre homens. Esses números são da pesquisa The Economist/YouGov.
A divisão fica ainda mais intensa quando olhamos para os mais jovens, a geração Z (com 18 a 29 anos). Nessa faixa etária, Kamala tem uma vantagem de 38 pontos entre mulheres, e Trump, de 13 pontos entre homens, de acordo com levantamento New York Times/Siena College.
Conversei com muita gente na semana passada para entender o que explica essa polarização e como isso pode afetar a eleição em novembro.
Como tudo na política americana na última década, isso tem a ver com Trump. O republicano sempre explorou questões de gênero em seu favor, seja contra Hillary Clinton ou Joe Biden.
O cientista político Dan Cassino resumiu mais ou menos assim para mim: eleições americanas sempre foram uma disputa de quem é o “mais macho”, e Trump sempre foi muito bom nisso.
O problema é que a estratégia não está funcionando contra Kamala. Uma das principais diferenças é que o machismo implícito das campanhas anteriores ficou explícito agora –e isso afasta eleitores.
Vamos dar um exemplo prático: na semana passada, Trump compartilhou um post feito por outro usuário em sua rede social, a Truth, que comparava Kamala a Hillary e sugeria que a atual candidata teria ascendido profissionalmente por meio de favores sexuais.
2. Vamos, galera, mulheres
Espertamente, a democrata tem fugidode colocar seu gênero e raça em primeiro plano na campanha, deixando o trabalho para adversários e aliados. Sua principal forma de aludir ao fato de ser mulher na campanha é a defesa do direito ao aborto.
O que nos leva ao outro fator que ajuda a explicar essa polarização: o choque entre uma visão tradicional dos papéis de gênero nos EUA e uma realidade em que eles não cabem não apenas por uma questão de valores, mas práticas –como a dificuldade de sustentar uma família com apenas um salário.
Há um ressentimento masculino, principalmente entre os mais jovens e influenciáveis por ideologias machistas em voga nas redes sociais, que Trump está tentando explorar. Nas últimas semanas, o republicano fez uma peregrinação por podcasts heterotop, como diríamos no Brasil.
3. Homens ficam em casa
Historicamente, homens jovens têm uma taxa de votação baixa. Em uma eleição que deve ser “uma briga de faca numa cabine telefônica”, como descreveu o Politico nesta segunda (2), mudar essa tendência pode ser um caminho para Trump prevalecer.
No entanto, é uma estratégia arriscada, porque custa ao republicano o apoio de mulheres jovens –um grupo de eleitores muito mais ativo em que Kamala está nadando de braçada até agora.
A reportagem completa está aqui, e faz parte de uma série especial sobre os principais temas e eleitores que determinarão quem será o novo presidente dos EUA. Recapitulando:
Fonte: Real Clear Polling, que agrega os resultados das principais pesquisas eleitorais dos EUA - 02.set.2024
Arizona, Nevada e mais oito estados terão plebiscito sobre aborto junto com a eleição
Para surpresa geral, a defesa do direito ao aborto se mostrou um dos maiores puxadores de voto que democratas já viram. Para alívio do partido, a troca de Biden por Kamala também deu à campanha um candidato muito mais confortável para falar sobre o tema do que o presidente católico era.
Em novembro, já é certeza que, em paralelo à escolha do presidente, americanos em ao menos dez estados também votarão em um plebiscito sobre o aborto –em geral, sobre incluir uma proteção ao procedimento na Constituição estadual.
Desses, dois se destacam: Arizona e Nevada, dos quais você que acompanha esta newsletter já deve estar cansado de saber a importância para esta eleição.
Uma consequência inesperada das restrições ao aborto nos EUA é que elas têm atingido pessoas que querem ter filhos. Carrie Baker, professora do programa de estudos de mulheres e gênero na Smith College, me disse que são elas inclusive as que estão sofrendo mais com as proibições.
Isso ocorre porque, temendo multas e até prisão, médicos que trabalham em estados americanos onde o aborto foi proibido têm se recusado até a fazer procedimentos que, em tese, permanecem legais, como em casos de risco de vida da mãe.
Ao menos três –Texas, Tennessee e Idaho– foram processados por mulheres com gestações desejadas, mas que, por complicações, precisaram de um aborto, o que lhes foi negado.
"A última rodada de plebiscitos não foi muito boa para para o movimento pró-vida e, pelo que estou vendo das pesquisas, a próxima não deve ser muito boa também não, infelizmente", me disse Matt Yonke, da Pro-Life Action League, uma organização antiaborto.